sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

PREVIEW

Por Manuela:

Se existir uma coisa que eu, na minha mínima e humilde experiência como escritora sei, é que nossos personagens são diferentes de nós. Eles nascem às vezes de um jeito e crescem fora do nosso controle. Por isso hoje eu aceito a Stella como ela é. Intensa, louca, irritante, aguda, dramática... meio poeta.
Por isso a deixo falar... quase toda vez que ela quer...



PREVIEW

Por Stella.


Desde que me entendia por gente havia dias que me sentia assim.
Como uma corrente de água que desce por todas as ladeiras rochosas de uma floresta gélida, que talvez fosse flutuante.
Água que desce silenciosa e triste, e descendo assim em completa solidão faz tudo que é invisível ao seu redor chorar.

Às vezes gosto de narrar no passado. Gosto de como as frases soam o que já passou. Que se perdeu imobilizado no ar de um segundo atrás.

Quando eu era criança me sentia triste sem motivo, e gostava de pensar em reinos imaginários e surreais. Em fontes que gotejavam água alaranjada. Uma única fonte parada no meio do nada, em uma terra com três luas no céu, onde a vida estava terminado há muito tempo.

Desenhava a rainha dentro da cúpula. Ela vivia há muito tempo em confinamento, porque no seu mundo ela só existia para ser adorada.
Mas depois que a vida começou a se esvair, ela era uma musa sem mestre. Talvez por isso eu a desenhasse, porque ela merecia os olhos de alguém mesmo que fossem apenas os meus, para imortalizá-la.

Sempre gostei do que estava perto do fim. A um centímetro, um milímetro a ponto de explodir, ou de se tocar. Ou de lentamente se corroer e se deteriorar do fim para o começo, ou do meio para o fim. A decadência da rainha era o que a mantinha viva e a fazia interessante na minha imaginação. Assim como algo arruinado que brilhava ao redor de todas as pessoas que eu amei.

O fato é que apesar disso, nunca me interessou consertar as coisas. Nunca me ocorreu colar as pessoas, mas já pensei várias vezes em despedaçar o mundo. Acho que é uma condição da minha natureza. Eu gosto do que está acabando, e gosto de viver o fim. Talvez por isso tenha procurado Nahema até o fim. Porque, na verdade para mim tudo pode estar em um milhão de pedaços, contando que estejam todos lá. O que eu não suporto, por excelência, é o incompleto.

Na infância eu, sustendo uma espécie de comportamento explosivo que depois se perdeu, costumava constantemente brigar com as outras crianças. Tinha um quarto com grande armário de madeira embutido na parede e uma cama estreita, onde me jogava para chorar e acalmar meu espírito após minhas lutas. Mergulhava a cabeça e observava a colcha dessa cama. Uma grande lua amarela, árvores negras e secas com galhos finos, neblina azul escura, e uma pequena ilha. E eu sentia, sabia, que conhecia aquele mundo. E o mundo da fonte de água laranja. E tantos outros!

Eu tinha fixação com eras de princesas. Palácios, segredos, reinos distantes. Às vezes me pergunto se toda criança tem esse clichê, ou apenas as crianças românticas, talvez regidas por influencias estranhas de águas gélidas. Talvez eu só pensasse nisso porque quisesse me sentir especial, quando claramente toda pessoa é capaz de ter alguma peculiaridade.

Crescer em geral só me dissuadiu do foco da ilusão. Aos poucos fui me forçando a pensar que era ridículo viver pensando no que não era palpável. E acho que por isso, no fim, eu sempre busquei uma razão, um momento em que eu me convencesse que uma existência dentro do mundo não-estranho e não-mágico em que eu me encontrava poderia valer a pena.
A busca em geral, era sempre a mesma. E o meu êxtase, assim como descobri muitos anos depois, na cozinha daquela casa com as luzes apagadas, era Como manteiga queimando na pele com açúcar.

Hoje sou águas gélidas. As mesmas que fui durante tantos momentos ao longo da minha vida. Águas em que me transformo no átimo de segundos, águas que me fazem sentir peculiar e esquecer que todos somos ordinários, que todos sofremos, nos entristecemos e murchamos. E que por isso o mundo é especial e misterioso.

...

Mas definitivamente a vida pode valer a pena se pelo menos uma vez você puder sentir Manteiga queimando na pele com açúcar.

Manteiga queimando a minha pele com açúcar.

Não fui eu quem disse.

Desconexo, eu sei. Mas essa frase não saiu da minha cabeça por anos.

E este será o título do meu novo relato. A ser escrito em breve. Mais um pedaço do todo que eu, incessantemente tendo juntar. E depois de juntar talvez tente incêndiar, e depois de incêndiar, talvez tente contar as cinzas, e reintegrá-las,
... Só para poder rasgá-las novamente.
.
.
.