terça-feira, 29 de setembro de 2009

Alma siamesa

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Ela ficou sabendo de uma história sobre dois amigos que planejaram se atirar da sacada de um alto hotel, de onde se podia cair direto no mar.
Quanto ao primeiro rapaz, foi bem sucedido. Mas na vez do segundo, porém, o desafortunado chocou-se contra o concreto em um erro de cálculo. Sua cabeça partiu-se ao meio e ele morreu instantâneamente.
... Sua cabeça partiu-se ao meio... e ficou tudo vermelho.
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Antes Stella imaginava o corpo por como uma casca vazia com algo branco, pálido por dentro, a alma.
Depois desse dia, porém, ela passou a imaginar a alma como algo atado ao lado do corpo. Como irmãos siameses ligados por um cordão tão fino e fácil de arrebentar!
De repente fazia sentido, porquê tudo que atingia o corpo nocauteava a alma, e tudo que sequer esbarrava na alma, refletia no corpo.
Era um pensamento clichê, mas de repente significou tanto tê-lo pensado para ela; que pelo tempo que refletiu sobre isso ela se sentiu viva outra vez.
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Ela lembrava também de outra história, a história que lhe contaram sobre o bebê que nasceu com uma aparência horrível e um defeito nos olhos.
Ela já era uma criança grande quando sua bábá havia lhe contado. E na hora lhe ocorreu a frase de uma música, que dizia:
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" Eu vou esconder você do mundo que te rejeitou,
Vou esconder você..."

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Naquele momento ela desejou de comum acordo com a sua alma siamesa ter aquele bebê ela própria. Mas ela não sabia, que a criança da qual sua babá Matilde falava, era apenas dois anos mais jovem do que ela.
E ela sabia menos ainda, que a amaria mais do que a ela própria.
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Quando era adolescente ela conheceu uma música que dizia:
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" E o céu estava todo violeta,
E eu queria outra vez, mais violeta, mais violênto..."

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E de repente ela reparava em tudo que ela violeta, detalhes de porta retratos, buganvílias na parede, chapéus de mulheres em filmes de época e a própria cor do ar de alguns dias que se passavam. As vezes, raramente, ela realmente se deparava com o céu violeta.
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E ela teve certeza que quando a tragédia aconteceu entre esses dois amigos o céu não estava violeta, mas como ela havia lido em livro certa vez:

“Estava feito com que de madrepérola"
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Stella tinha um plano secreto, onde só precisava de coragem.
Ia se perdendo aos poucos, porque seu intento demandava tempo.
E quanto menos ela tivesse,
Mas fácil seria realizá-lo.
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Ela pensava que a vida talvez fosse assim.
Se perder.
De pouco em pouco, pedaço em pedaço,
Até que um dia.... Você some.
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Ela teve um caderno com a foto de dois lábios se beijando. Em baixo estava escrita a frase:
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" O amor salva"
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Naquela época ela acreditou.
Depois essa constatação tomou a vertente extremamente oposta,
E por fim, tomou uma indiferença tremenda.
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A formula do amor Stella havia decorado com facilidade:
Para que duas pessoas sejam felizes, é irremediavelmente necessário que pelo menos uma, esteja triste em vista da união harmônica dos outros dois elementos.
Logo, dois completos = um vazio.
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Stella sabia, que era uma comodista.
Afinal, e mais fácil se perder do que se encontrar.
Mas ela ainda não estava certa, do que demandava mais coragem...
E talvez ela nunca saberia.
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Ela só sabia que tinha um plano...
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E em cada esquina,
Em cada assento de ônibus,
A cada vez que passava em frente uma casa antiga,
A cada vez que se levantava pela manhã,
... Ela deixava cair pequenas partículas dela mesma.
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Estava espalhando cinzas com antecedência...
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Ela não se importa mais se a sua história não fosse mais contada,
Afinal, o mundo está cheio delas,
E ela, um pouco cansada do mundo...
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