quinta-feira, 16 de outubro de 2008

E NASCE UM REDEMOINHO.


A verdade é que Stella conheceu Nahema no mesmo dia que eu... e no mesmo dia entendeu, que erámos três lados de um trângulo desigual!


Bem ou mal.... elas continuam existindo mais do que eu...



Sobre Nahema

Por Stella

Toda vez que chove durante o verão Nahema me vem á mente. A chuva tem algo que congela o tempo em poeira. Quando a vejo cair não posso deixar de notar a fina camada de água que envolve o mundo como um véu, uma fronha, um riacho de vento.


Em cada partícula de poeira eu escondo um desejo. Elas se acumulam nas quinas do quarto no meio de todos os vazios da terra. E meus desejos dançam espalhados pelas ruas estreitas do tempo.


Eu me perdi em tantos pedaços que julgo necessária mais de uma vida para reuni-los novamente. Tenho a mente ainda comigo. Guardada em um embrulho de renda violeta, mais antigo que os vulcões da indonésia.


E por essa mente que eu sei que ainda procuro por ela. Procuro por ela, porque sei que ela guarda uma sacola com os meus pedaços perdidos. Sei que ela foi capaz de andar em cada quina do mundo onde eles estavam espalhados. E ela foi juntando peça por peça como Ísis juntava os pedaços de Osíris.


A primeira vez que a vi chovia. As gotículas de lágrimas sem sabor jorravam do céu e castigavam as roseiras do canteiro de terra em meio ao concreto do jardim, na casa da rua mofada. Ela vinha passando com o cosmopolitismo típico de quem nunca teve lar.


Ela devia ter uns nove anos de idade. Seu cabelo cortado na altura das orelhas estava desarmado pela água, as ondas emaranhadas pareciam dóceis, ocultavam seu verdadeiro aspecto selvagem.


A verdade é que eu já havia visto seus olhos. Mas na ocasião não tinha ao menos vislumbrado sua alma. O espírito decididamente não era branco como os olhos, depois eu vim á saber.


Ela era a mistura de branco preto e marrom. Saia comprida amarela. Aquela altura que podia alcançar o telhado do meu imaginário. E o rosto mais endurecido do que os cactos do deserto.


Desde daquela idade ela já andava como se estivesse indo para guerra. Desviava das minas no campo. Os pedaços dela estavam todos reunidos dentro de um lamaçal seco. E ela levava esse espaço na pele.


Minha alma estava azul, verde e queimada em marrom. Eu já estava chorando, com vontade de correr. Ela já estava tossindo, almejava engasgar e quebrar. Seus olhos claros, ainda nutriam cerca de um terço da visão e se cruzaram com os meus, negros, sadios, intactos.


Não sei identificar o que se iluminou. Iluminou-se transparente como clara de ovo. Eu a via na rua e de supetão senti necessidade de me molhar. A chuva me acolheu com a natureza de uma mãe felina, que arranha e lambe a ferida da cria.


Ela continuava ali parada, na chuva. Uma medusa réptil. Eu não sabia, mas sempre ia enxergá-la como um réptil. Ela me olhou como quem olha para um pedaço de carne crua.


Ela afundou as mãos nos espinhos da roseira. Seu sangue era rubro como buganvílias ordinárias de jardins comuns. Uma agulhada aguda no fundo da minha traquéia começava a me desesperar na expectativa de fazer igual. Eu tinha medo da dor, mas a pulsão foi mais forte do que todas as forças do momento. Afundei as mãos senti, suportei. Naquele momento éramos mais poderosas do que a chuva. Dávamos o sangue por alguma coisa, não importava, no momento o que era. A dor me aliviou e esvaziou todas as agulhas do meu corpo.


Ela não disse nada e saiu correndo. Eu fiquei parada pingando sangue misturado com chuva.


O aspecto grotesco desse primeiro encontro, no entanto não define nada. Apenas delimita uma verdade. A minha necessidade de ir além perto dela. Não é uma questão masoquista, como as pessoas podem supor. É uma questão ideológica. Mas eu não espero que ninguém entenda isso agora. Apenas guarde essa verdade: Perseguir Nahema sempre foi perseguir meus ideais.


E continuou chovendo. E eu não a vi novamente por vários anos.

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6 comentários:

Liv Marie disse...

Não pare nunca mais de escrever tá?

É simplesmente um pecado.

Unknown disse...

PQP! ME EXPLICA ESSE TEXTO!
eu ameiiiiiiiii

Três disse...

@haza/

nao pare!

Anna disse...

Amei a forma como você escreve!

Sem palavras pra descrever agora.

Unknown disse...

FANTÁSTICO!!!... Me orgulho dos seus textos, do jeito que vc escreve; é talento puro! - e vc ainda consegue ser distinta de todos os escritores que eu já li. Suas estórias contam sua verdade em outras palavras e revela que seu trabalho é feito com a alma. O antepenúltimo parágrafo me arrepiou; Parabéns, meu Xuxú... como me orgulha essa menina!

Fripe disse...

e o livro, qdo sai?