terça-feira, 21 de julho de 2009

RENASCENCE


“Gosto de quando eu chego a casa, e não há comida, não há ninguém e não há luz”...

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Já enxerguei toda massa concreta do mundo, embora nunca soubesse como era ter uma visão limpa.

Decorei as cores, algumas texturas e alguns rostos.

Depois lampejos claros cortavam o meu redor, e logo, lampejos eram tudo que eu tinha.

Eles, por sua vez evoluíram para frestas, piscares de olhos... E depois nada.

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Não gosto de falar.

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Acho que a maioria das nossas palavras são desperdiçadas com arranjos inúteis que esquecemos segundos depois. Gosto muito menos de escrever, ficar perpetuando esses pensamentos para lembrá-los pela vida inteira. Sei que o que eu acabei de dizer parece um paradoxo, mas eu não me importo em não parecer coesa. Por isso ainda digo, que não há nada no mundo que eu rejeite de tão bom grado quanto uma poesia. Palavras soltas ao acaso que pretendem confundir e impressionar ao mesmo tempo em que almejam fazer qualquer sentido que possa se encaixar na mente de quem lê.

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A verdade é que não gosto das palavras.

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Apesar disso, eu não produzirei apenas frases secas. Quando pressionada para expressar o que deveria ser belo, eu me apego à desproporção, e esta às vezes pode soar um tanto quanto profunda.

Eu conheço essa mulher, Stella (quem não conhece, ela consegue fazer tudo parecer ser sobre ela). O modo como ela escreve me irrita. Isto não me impediu, no entanto, de guardar suas cartas. Tão poéticas que me dão dor de cabeça.

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A questão é que se agora falo sobre mim, deixo claro que não é de livre e espontânea vontade. É como se uma mente invisível me obrigasse a mapear minhas pulsões para que eu passe a existir. Mas adianto que não sou do tipo que fica revelando a alma e reticências.

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Então, se você quer saber de mim, decore em primeira instância: Eu sinto raiva. E senti raiva durante toda a minha vida. Stella dizia que a raiva era o sentido mais maravilhoso do mundo. E que foi ela que incendiou a primeira centelha elétrica que permitiu a coordenação motora no cérebro de feras como os dinossauros. Posso citar Stella muitas vezes. Mas não quer dizer que eu sinta falta dela. Eu não sinto. E não se iluda. Eu não vou contar a minha vida agora para você. Pelo menos não toda a parte que faz diferença.

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Embora não goste de sua forma de se expressar, não posso deixar de me recordar certa ocasião onde Stella me disse algo que não pôde me manter indiferente. Ela disse: Nahema, eu já me sinto apegada, a cada uma das suas tragédias. Eu respondi: Não existem tragédias na vida de ninguém. Existem fatos. E ela tornou a dizer: Existem fatos nas vidas das pessoas sem rosto, aquelas de feições iguais que nascem e morrem pelo mesmo propósito vazio. Agora... O que dizer de alguém que já nasceu predestinado a ver uma própria parte morrer? Não me pude manter indiferente e precisei lembrar desse fato,simplesmente porque ela estava errada. Mas já que não tenho escolha, vou por partes, eu chego lá.

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Lembrei disso porque o impulso invisível que me escraviza hoje quer que eu fale sobre o mesmo dia. O dia em que essa parte minha “morreu”.

Mas nos meus dias as coisas fizeram pouco sentido. Acho melhor agora seguir pela direção da desproporção do sentido cortado, picado e misturado, como eu sempre fui.

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“Acordava no meio da noite porque a claridade era inconstante. Dia e noite eram igualmente embaçados a meia luz. Descia as escadas e tropeçava na mulher caída no chão, ouvia com estridência o barulho das garrafas que caiam, queimava a sola do pé descalço na brasa no chão que queimava carpete e assoalho. Caía varias vezes por dia, mas nunca deixei ninguém perceber. Eu andava no escuro e de repente era invadida por uma rajada de claridade que me indicava a direção da casa, a acomodação dos móveis e a direção a seguir”.

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“Os lampejos vinham e eu enxergava perfeitamente embora com leves embaços. O rosto de Shainty sorrindo com seus dentes brancos enquanto tomava seu Martini na água. Os lampejos vinham e eu enxergava o cabelo louro de Stella se desfazendo em mil pedaços. Os lampejos vinham e eu enxergava cada vez menos”.

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Os médicos viviam falando algo sobre perda gradual e progressiva da visão. Na verdade... Nunca prestei tanta atenção.

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“Às vezes eu esperava o dia todo por um lampejo de luz que vinha entre enormes intervalos de tempo. Até que um dia eles pararam completamente. Quando me dei conta já estava no escuro há tanto tempo que a luz não fazia mais sentido”.

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E quando eu menos percebi, eu já sabia tudo. Eu não precisava mais da claridade.que não ia voltar .Não precisava das rajadas. Senti-me poderosa. Senti-me, finalmente... Livre.

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Então explico aqui o erro de Stella. Não sinto que nesse dia uma parte minha morreu.

Pelo contrário, sinto que nesse dia renasci.

E nessa nova casca fui embora, segura como jamais havia estado.

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Um dia eu soube que Stella me procurou até quase morrer. Mas era outro tempo.

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Agora chega. Já falei demais. Deixe-me em paz porque não quero mais lembrar. Por mim eu chamaria esse texto de “O erro de Stella”. Mas por enquanto, sou mais fraca do quem me escreve. Mas se continuar me procurando, em breve eu posso mudar a situação. E nisso... eu garanto que tenho experiência.

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“ Gosto quando eu chego em casa, e não há comida, e não há ninguém, e não há luz...”

E Nahema toma forma, cria vida e suavemente me faz medo, como se fosse me esperar no corredor as noite. Por isso a amo. E não a deixo em paz.

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3 comentários:

Liv Marie disse...

Ela parece brava mas não me assusta.

Anna disse...

A Nahema é rabugenta. Gostei dela!

Inevitable disse...

Ixi... vc não viu nada! =)